terça-feira, 5 de maio de 2015

Ameaças e mortes põem conselheiros tutelares em risco


 
Ameaças, espancamentos, assassinatos. As pessoas escolhidas pela comunidade para proteger as crianças vivem uma rotina de terror.
O Conselheiro tutelar é um guardião dos direitos da infância e adolescência. Tem o dever de aconselhar os pais, ouvir reclamações, apurar denúncias de abuso e maus tratos, e avisar a justiça caso uma criança esteja em perigo.
O problema é que há reações violentas contra esse trabalho tão importante. Uma chacina no interior de Pernambuco, no começo de fevereiro, expôs o risco a que estão submetidos conselheiros de todo o Brasil.
Em uma cidadezinha do interior, a emboscada fatal. “A gente procurou o chão, porque o chão sumiu”, diz a conselheira tutelar Maria Isabel.
Três dos cinco integrantes de um conselho tutelar assassinados de uma só vez. Podia ter sido eu”, diz Maria Isabel.
Na periferia da metrópole, a ameaça. “Batiam no vidro do carro e apontavam para o menino falando que ele ia morrer”, afirma o conselheiro tutelar Abel Gramacho.
O espancamento: “Foram tapas, pontapés. Tem até uma marca aqui ainda”, afirma o conselheiro tutelar Lourisvaldo Rocha.
Não o importa o tamanho da cidade, nem a região do país. Ser conselheiro tutelar virou atividade de risco. O Conselho Tutelar foi criado junto com o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. É composto por cinco moradores eleitos pela comunidade onde vivem, para que a própria sociedade cuide de suas crianças. No dia 4 de outubro, todos os municípios vão eleger novos conselheiros ao mesmo tempo, na primeira votação unificada do Brasil.
O mandato passa de três anos, como é hoje, para quatro anos. Os conselheiros são remunerados. As prefeituras têm autonomia para fixar o salário deles, a maioria paga salário mínimo de R$ 788 por mês. As cidades maiores pagam mais. Em Brasília, por exemplo, o salário de conselheiro é de R$ 4.684.
“Conselheiro, para mim, é anjo sem asa. É aquele que guia. É aquele que mostra um caminho”, diz conselheira tutelar Carla Patrícia.
Mas famílias que expõem crianças a algum risco nem sempre aceitam a intervenção de conselheiros que, muitas vezes, moram no mesmo bairro.
Mulher: A partir do momento que vocês "entrou" na minha vida, vocês "acabou" com a minha vida. Acabou!
Conselheira tutelar: Nosso intuito é tentar melhorar.
Mulher: Não. Não! Vocês não ajudaram. Vocês só ajudaram a atrapalhar.
“Hoje nós somos os bichos-papões das crianças. Porque a pessoa não diz à criança que o conselho está para lhe defender. Ela diz: ‘o conselho vai lhe punir, o conselho vai te prender’. E não é isso”, afirma conselheiro tutelar Anderson Amaro,
As polícias estaduais têm de dar segurança aos conselhos. E a lei diz que as prefeituras e, no caso de Brasília, o governo do Distrito Federal, têm de dar estrutura para que eles funcionem. O que nem sempre acontece. “A realidade é uma só: é descaso, é falta de prédio, é falta de transporte, é falta de material de trabalho, às vezes o básico”, afirma a conselheira titular Ildene Cardoso Rodrigues.
Em Tufilândia, no noroeste do Maranhão, o Conselho Tutelar funciona em uma sala acanhada.
Não há privacidade para ouvir vítimas de abuso. Nem carro para fazer visitas. Nem orçamento o conselho tem, embora a lei mande destinar 2% do Fundo de Participação dos Municípios.
“Também não vamos botar a culpa só na administração que está hoje, porque todas as administrações que passaram por aqui é sempre a mesma coisa”, afirma o conselheiro Expedito Teixeira.
E o pior: a última eleição foi em 2003. Os conselheiros são reconduzidos pela prefeitura sem votação.
Será que os políticos e prefeitos entendem a importância do conselho?
Edmilson Lopes: O Conselho Tutelar é de responsabilidade não da classe política, mas da sociedade civil organizada.
Fantástico: Mas a lei diz que a prefeitura tem de dar as condições para que o conselho possa funcionar plenamente.
Edmilson Lopes: Isso, a lei diz que a prefeitura tem que dar as condições, a lei diz que o município tem de funcionar na sua plenitude. Esse é o gabinete do prefeito. Você pode dar uma olhada nas condições e que é um pouquinho diferente da maioria das cidades onde você passou e fez outras matérias.      
Fantástico: O senhor acha que o município não tem condições de dar ao conselho um funcionamento melhor do que ele tem hoje?
Edmilson Lopes: Nas atuais circunstâncias, não.
Essa precariedade se reproduz até mesmo na capital do país. Em 2013, o Fantástico mostrou o Conselho Tutelar de Samambaia, no Distrito Federal, cheio de goteiras. Mais de 100 processos destruídos pela água da chuva.
Chover, não chove mais. O telhado foi consertado logo depois da reportagem. Mas isso não significa que os problemas não se acumulem, especialmente no que diz respeito à segurança, ainda que a 100 metros do local exista uma delegacia de polícia.
“Tem uma delegacia aqui na frente, mas isso não intimidou os agressores. Aqui nesse local que a gente está, teve nove tiros aqui entre um assaltante e um policial”, afirma o conselheiro tutelar Ilton Teixeira.
Fora a surra que um conselheiro levou na sala dele, dentro do conselho. “Apanhou de pau aqui, teve sangue, o conselheiro tutelar registrou ocorrência policial”, conta Ilton Teixeira. 
E o risco não se restringe aos horários de trabalho. “Nós somos integrantes dessa comunidade, nós somos dessa comunidade. Então a gente, às vezes, se sente. Você vai na padaria com seu filho e você se sente ameaçado”, diz Ilton Teixeira.
Em outra cidade do Distrito Federal, um conselheiro não sabe mais o que fazer.
Fantástico: Quantas vezes você já foi ameaçado?
Conselheiro tutelar: Fui ameaçado três vezes.
Fantástico: E agredido fisicamente, quantas?
Conselheiro tutelar: E agredido fisicamente duas vezes.
A primeira vez, foi perto da casa dele. “Murros, socos. Teve um momento em que eu caí, e nesse momento eu fiquei com mais medo porque eu pensei que eles iriam pular na minha cabeça”, afirma o conselheiro tutelar.
Na segunda vez, ele estava dentro de um ônibus. “Só que dessa vez eu apanhei muito, fui jogado de dentro do ônibus para fora, sangrei, meu nariz chegou a quase quebrar. Eu, nesse momento, realmente pensei: ‘acho que agora eu vou morrer’”, conta o conselheiro tutelar.
Voltou ao trabalho depois de ficar afastado por dois meses para se recuperar. Mas o medo nunca mais o abandonou. “Porque aí a gente cai na real de que é muito fácil você matar um conselheiro”, conta.
Foi o que aconteceu com Lindenberg Vasconcelos, Carmen Lúcia da Silva e Daniel Farias. Eles foram emboscados em uma estrada rural de Poção, no agreste de Pernambuco.
Os três conselheiros, uma menina de 3 anos, órfã de mãe, e a avó materna dela estavam no carro. Só a criança sobreviveu. A cidadezinha de 12 mil habitantes entrou em choque. “Ainda hoje eu não estou acreditando no que eu vi não”, diz o agricultor Luciano dos Santos Silva.
“Foi um sentimento para todo mundo. Porque Poção aqui nunca existiu dessas barbaridades, gente. De jeito nenhum”, afirma o agricultor Manuel José da Silva.
A polícia de Pernambuco prendeu seis envolvidos na chacina, inclusive a mandante: Bernadete de Lourdes Rocha, avó paterna da criança. Ela disputava a guarda da neta com a avó materna assassinada. Só um dos acusados está foragido: Welliton Silvestre que seria um dos pistoleiros.

Nenhum comentário: