A Basílica Nossa Senhora da Paz, em Yamoussoukro, foi construída no final de um período de apenas de algumas décadas atrás, quando a Costa do Marfim estava competindo com outras nações africanas recém-independentes para se tornar a potência cultural e econômica do continente.
Para ter uma ideia da imensidão do local, a basílica é suportada por 84 colunas gigantes, sendo que cada uma tem 34 metros de altura.
E o restante dos números é igualmente impressionante: entre julho de 1986 e setembro de 1989, 1.100 trabalhadores limparam cerca de 700 mil metros quadrados de plantação de coqueiros, revestindo o espaço estimado de cerca de 13 campos de futebol com mármore europeu (e o restante em jardins) e erguendo uma estrutura de quase 160 metros de altura, que pode acomodar sete mil fiéis em seu interior e 200 mil em todo o seu complexo.
No entanto, existe algo ainda mais interessante na história dessa igreja: qual foi o seu custo total. Apesar de estimativas independentes atrelarem o preço em cerca de 300 milhões de dólares, o então presidente Félix Houphouët-Boigny preferiu guardar segredo sobre o valor, preferindo referir-se à construção como um “presente de Deus” (provavelmente com a ajuda de sua enorme fortuna pessoal vinda do cacau).
"A maioria das pessoas acredita que o dinheiro tenha vindo em sua maior parte do tesouro nacional público", disse Tom Bassett, um geógrafo e historiador sobre a Costa do Marfim da Universidade de Illinois, ao Mother Jones. Tanto que ele também afirmou que a igreja também é chamada de “Nossa Senhora do Tesouro".
Política e religião
Herdeiro de uma das maiores riquezas de cacau do país, Houphouët-Boigny não escolheu exatamente o momento mais oportuno para utilizar publicamente as reservas de caixa de seu país para uma construção que rapidamente passou a ser vista menos como uma glorificação de Deus e mais como um projeto de vaidade.
Em sua trajetória, ele se tornou o primeiro presidente da Costa do Marfim depois que o país obteve a independência da França em 1960, mas governou como um ditador mais ou menos benevolente até sua morte, em 1993, dirigindo o país em um período que se tornou conhecido como um "milagre" de prosperidade econômica nos anos 1960 e 70.
Em 1983, ele nomeou a sua cidade natal Yamoussoukro como a nova capital administrativa e logo em seguida começou a planejar a joia que iria coroar a cidade, a basílica. De acordo com um pedido do Papa João Paulo II, que disse que não iria consagrar a construção de outra forma, a cúpula foi feito um pouco menor do que a da Basílica de São Pedro, em Roma.
Mas a adição de uma cruz no topo da cúpula imponente deixou a altura da igreja acima de sua contraparte italiana.
Crise
Enquanto a igreja era construída, no final dos anos 80, o país tinha caído em uma ruína econômica, que foi um resultado simultâneo de uma queda vertiginosa no preço do cacau e do café, alta nos preços do petróleo e má gestão de empresas estatais. Com isso, no meio da construção da basílica, a Costa do Marfim declarou-se falida.Ao mesmo tempo, as medidas de retomada do orçamento impostas pelo Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial cortaram os serviços básicos e subsídios agrícolas, reduzindo drasticamente o padrão de vida da maioria dos marfinenses, incluindo aqueles que viviam em fazendas no entorno da basílica.
Tudo isso deixou Houphouët-Boigny aberto a críticas severas pelo contraste entre a opulência da igreja e a decadência da paisagem em volta dela. Sua imagem pública ficou ainda mais prejudicada devido a um dos imensos vitrais coloridas da igreja, que o retratou ajoelhado diante de Jesus na sua entrada em Jerusalém.
Críticas e turismo
Anos mais tarde, um funcionário do Vaticano não identificado disse a revista Time que "o tamanho e a despesa do edifício em um país tão pobre o tornou um assunto delicado". Ainda assim, o Papa consagrou a Basílica em setembro de 1990, que foi a única vez que os milhares de assentos foram todos ocupados.
Desde então, a basílica tem sido pouco mais do que um destino turístico. Missas são realizadas semanalmente, mas são pouco frequentadas.
No final de 2002, quando o então presidente Laurent Gbagbo estava fora do país, os líderes militares descontentes encenaram um golpe que jogou o país em uma guerra civil sangrenta que durou dois anos. Nesse período, a basílica brevemente voltou para os holofotes, pois Yamoussoukro tornou-se o centro de uma zona da ONU imposta entre as forças rebeldes no norte do país e simpatizantes de Gbagbo, no sul, onde fica a maior cidade do país, Abidjan.
Os líderes políticos de ambos os lados, auxiliados pela mídia nacional, retrataram o conflito, em parte, como sendo entre um sul cristão e o norte muçulmano, com a basílica no meio. Porém, segundo Basset, na realidade, os dados demográficos nunca apoiaram a existência de tal divisão.