terça-feira, 23 de julho de 2013

Justiça do RN suspende despejo de moradores de conjunto habitacional

Reintegração de posse de 65 casas do Praia-mar seria nesta terça (23).
Pedido de liminar é assinado pela Defensoria Pública do Estado.


Entulhos da construção das casas ainda estão no local (Foto: Fred Carvalho/G1)Entulhos da construção das casas ainda estão no local (Foto: Fred Carvalho/G1)
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte suspendeu a reintegração de posse de 65 casas ocupadas irregularmente no conjunto Praia-mar, na zona Oeste de Natal. O desembargador Amílcar Maia atendeu o pedido da Defensoria Pública do Estado e suspendeu a ordem de despejo, que seria cumprida nesta terça-feira (23). Os defensores que assinam o agravo de instrumento argumentam que não foi dado direito de defesa às pessoas que invadiram as casas inconclusas do conjunto, conforme explica a defensora pública Cláudia Carvalho Queiroz.

"No processo, Estado e construtora afirmam que como se tratava de muita gente, não era possível identificar as pessoas que invadiram o conjunto. Na ação que determinava a reintegração nenhum dos atuais moradores estavam regularmente identificados e não tiveram direito ao contraditário", explica. Autores da ação de reintegração de posse, Governo do Estado e a Dois A Engenharia e Tecnologia Ltda pedem a saída das pessoas que invadiram as casas inacabadas para que as obras sejam continuadas e os imóveis entregues aos cadastrados no programa habitacional estadual. Os cadastros foram realizados em 2008.
A lei estabelece que famílias em situação de vulnerabilidade social têm prioridade para habitação. Não há sentido em desalojá-los"
Cláudia Carvalho Queiroz,
defensora pública
Além disso, a defensora acrescenta que os invasores atendem aos requisitos da Lei Federal 10.988, que versa sobre o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social. "A lei estabelece que famílias em situação de vulnerabilidade social têm prioridade para habitação. Não há sentido em desalojá-los", reforça. De acordo com Cláudia Carvalho, as famílias são numerosas e de baixa renda, o que as encaixa nos requisitos de vulnerabilidade. Pesa ainda a presença de 81 crianças no Praia-mar.

Cláudia Carvalho acrescenta que além da suspensão da reintegração de posse, a Justiça determina a realização de uma audiência de justificação, na qual os atuais moradores tenham direito de se defender. "É preciso analisar a situação de cada família. Os moradores entraram em casas inacabadas e terminaram de construir. Eles mesmos fizeram pisos, telhas e instalações elétricas", diz. A defensora ainda argumenta que muitas pessoas cadastradas em 2008 no programa estadual de habitação admitem que não possuem mais interesse em ocupar as casas.

Moradores não têm para onde ir
Glaydson Paulino mora na casa invadida com a mulher e cinco filhos (Foto: Fred Carvalho/G1) 
Glaydson Paulino mora na casa invadida com a
mulher e cinco filhos (Foto: Fred Carvalho/G1)
O agricultor aposentado Francisco Pinto da Silva, de 64 anos, é um dos invasores do conjunto habitacional. Ele contou ao G1 que pagava aluguel, mas a aposentadoria de um salário mínimo não estava sendo suficiente para pagar as despesas. Foi quando ele soube que as casas seriam invadidas e se apossou de uma. “Como uma pessoa vive com um dinheiro pouco como esse e ainda paga aluguel? Não dá, meu dinheiro não dá pra nada. Por isso eu vim pra cá”, disse. Acompanhado da esposa Francisca Garcia de Lima, de 65 anos, ele diz que não tem para onde ir. “Se tirarem a gente daqui, vamos ter que ir para debaixo da ponte”, afirmou.
O servente de pedreiro Glaydson Paulino de Andrade, de 26 anos, mora em uma das casas invadidas com a mulher e cinco filhos. O mais novo é um bebê de 4 meses. Desempregado, ele conta que invadiu a casa porque morava em um barraco atrás da casa da mãe que não tinha estrutura para os filhos. "Eu não tenho para onde ir. Como eu vou voltar a viver em um barraco com um bebê de quatro meses? Eles querem tirar a gente daqui e não querem nem saber para onde vamos, se vamos para a rua. O governo não se importa com a gente", disse.

Imbróglio judicial
Em 2008, o governo do estado lançou um projeto de erradicação de favelas na avenida Capitão-mor Gouveia. Foram cadastradas 310 famílias que receberiam unidades habitacionais construídas pelo estado com recursos do governo federal através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com o diretor da Companhia Estadual de Habitação e Desenvolvimento (Cehab), João Felipe de Medeiros, nenhuma dessas 65 famílias que hoje ocupam as casas do conjunto foi cadastrada no programa à época.
"Essas famílias não foram cadastradas, portanto não teriam direito à essas casas. Mas o governo entende que são famílias sem condições e por isso, após a desocupação destas casas e a conclusão da construção, nós iremos convocar as famílias cadastradas e se alguma família não for encontrada ou desistir do imóvel por alguma razão, nós iremos destinar essas casas às famílias que estão lá hoje", explicou.
Segundo ele, em setembro de 2010 houve uma ocupação ordenada de 137 casas, antes mesmo do término da construção. “Não havia água, eletricidade, nem esgotamento sanitário. Mas, diante da ameaça de invasão, a Cehab autorizou a ocupação”, explicou.
As obras continuaram e em novembro de 2011 houve a primeira invasão. A Justiça autorizou a reintegração de posse e em janeiro de 2012 as famílias saíram das casas. Em julho de 2012, 65 casas foram invadidas novamente e, mais uma vez, a Justiça determinou a reintegração de posse. “A decisão judicial saiu em dezembro de 2012 e de lá pra cá nós fizemos várias reuniões com as famílias, com a participação da OAB e da Comissão Estadual de Direitos Humanos, esgotamos todas as possibilidades de diálogo até que a Justiça determinou o uso da força policial para a retirada das famílias”, disse João Felipe.
Conjunto habitacional
Segundo João Felipe de medeiros, o conjunto habitacional Praia-mar, quando concluído, terá 310 unidades, sendo 202 casas e 108 apartamentos, além de uma área de lazer com uma praça, centro comunitário e posto policial. O projeto inicial previa ainda a construção de 30 casas adaptadas e direcionadas para idosos e para pessoas portadoras de deficiência.
João Felipe disse o valor total do projeto é de R$ 9,3 milhões e já foram pagos R$ 3,4 milhões à Dois A Engenharia, empresa responsável pela construção.

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