Os
nossos próprios genes podem guardar a chave para o futuro das terapias
contra a Aids. Com o auxílio de supercomputadores, um grupo de
cientistas suíços analisou os genomas de cepas do vírus HIV e de
indivíduos soropositivos e chegou ao primeiro mapa da resistência do
corpo humano contra a doença. Eles acreditam que a descoberta poderá
permitir a criação de tratamentos mais individualizados.
— A possibilidade de adaptar o
tratamento ao genoma de cada pessoa com HIV é muito animador, pois assim
é possível atingir a máxima eficiência e a mínima toxicidade para que
os pacientes vivam uma vida normal — afirmou ao GLOBO o coautor do
estudo, Jacques Fellay, professor da Escola Politécnica Federal de
Lausanne (EPFL). — A identificação de variações genéticas humanas que
são capazes de combater com mais força o vírus é, portanto, essencial
para otimizar as estratégias terapêuticas.
O genoma do vírus
O vírus HIV ataca as células do sistema
imunológico, destruindo os glóbulos brancos (linfócitos T CD4+). Com
isso, o sistema de defesa vai perdendo a capacidade de responder aos
agentes infecciosos e se tornando mais vulnerável. Todos os infectados
pelo vírus desenvolvem estratégias de defesa, e alguns até conseguem
manter o vírus sob controle sem nenhuma terapia por longos períodos.
No entanto, o genoma do vírus também se
modifica numa taxa de milhões de mutações por dia. Esta verdadeira
batalha do sistema imune deixa suas marcas dentro do patógeno, ou seja,
as mutações genéticas indicam que o vírus reagiu aos ataques do seu
hospedeiro. Cientistas da EPFL e do Centro Hospitalar Universitário
Vaudois (UNIL-CHUV), da Suíça, refizeram toda a cadeia de eventos desta
briga, do genoma do vírus ao genoma da vítima, para chegar ao que eles
chamaram de mapa da resistência humana ao vírus.
— Nós agora temos um verdadeiro banco de
dados que nos diz qual variação genética humana vai induzir a que tipo
de mutação no vírus — explicou Amalio Telenti, outro coautor e
pesquisador do UNIL-CHUV.
Telenti diz que o banco de dados fornece
uma visão geral das partes do vírus que são alvo da imunidade. Ele
distingue as partes onde haverá danos ao vírus daquelas em que o efeito
das nossas defesas é facilmente compensado. O trabalho foi publicado na
revista científica “eLife”.
— Os dados são importantes,
principalmente, para aqueles que trabalham no desenvolvimento de
vacinas. A razão é que assim é possível identificar os melhores lugares
para atacar o vírus — acrescentou.
Quando o organismo não tem mais forças
para combater os agentes externos, a pessoa adoece com facilidade e é
quando se diz que ela tem Aids. É geralmente este momento que marca o
início do tratamento com os medicamentos antirretrovirais, que combatem a
replicação do vírus e o consequente avanço da doença. Os pesquisadores
usaram informações de pacientes antes de passarem por este tratamento,
exatamente para entender a resposta do corpo sem nenhuma interferência.
Portanto, tiveram que pesquisar bancos
de dados das décadas de 1980 e de 1990, antes do início da terapia
antirretroviral. Ao todo, eles analisaram várias cepas do HIV em 1.071
indivíduos soropositivos e cruzaram mais de três mil mutações no genoma
viral com mais de seis milhões de variações nos genomas dos pacientes.
— Nossa esperança é que esta descoberta
apresentada hoje poderá contribuir para melhores estratégias contra o
HIV, incluindo o tratamento, mas também o desenvolvimento de uma vacina.
Na verdade, a natureza nos mostra o caminho para a atenuação da
virulência do HIV. Devemos agora tentar imitar o efeito das variantes
genéticas humanas que reduzem a virulência do HIV em pacientes — disse
Jacques Fellay.
Antirretrovirais ainda eficientes
Os antirretrovirais continuam a ser a
principal arma contra o HIV, permitindo que mais indivíduos infectados
tenham vidas relativamente normais e expectativa de vida aumentada,
embora não curem a doença.
— O tratamento com antrretrovirais
funciona muito bem, mas requer uso prolongado. Isto é problemático em
termos de toxicidade, além de ter um impacto financeiro grande no
sistema de saúde. Há muita ênfase hoje em soluções como as vacinas, e
também em novos medicamentos para “erradicar” o vírus para que possamos,
eventualmente, parar este tratamento — assinalou Telenti.
De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS), mais de 9,7 milhões de soropositivos receberam o tratamento
até o fim de 2012. Destes, 630 mil eram crianças. Segundo o órgão, o
número é 20% maior na comparação com 2011 (oito milhões de pessoas).
Ao todo, 25 milhões de pessoas morreram
nas últimas três décadas. Até o ano passado, eram 35 milhões vivendo com
HIV. No Brasil, de 1980 a junho de 2012, 656.701 casos de Aids foram
registrados, de acordo com o Ministério de Saúde, que distribui
antirretrovirais a pacientes. Em 2011, foram notificados 38.776 casos da
doença, e a taxa de incidência de Aids no Brasil foi de 20,2 casos por
100 mil habitantes.
O Globo
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